Informação sucateada e economia de atenção (junk information & attention economy) #23

1.      Para este episódio de hoje irei discutir um tópico fora da área socialidade, mas que considero urgente. O volume de pesquisas e evidências avaliando o impacto da transformação que a mídia social trouxe para a sociedade explodiu nos últimos anos com resultados alarmantes. Hoje eu vou conversar sobre o sucateamento da informação junk informattion e o crescimento da economia de atenção attention economy, e as consequências para a pessoa que consome esta informação participando ativamente dessa economia.

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o Um grande abraço do Kald.

Transcript

Conexão Sapiens: a ciência desvendando você.

Podcast número 23, episódio da área cognição.

Informação sucateada e a economia de atenção (junk information & attention economy).

Oi, pessoal, muito bom estar de volta hoje no episódio 23.

A partir do episódio de hoje decidi mudar a estrutura do podcast. Ao invés de falar sobre cada área, eu irei discutir tópicos que considero mais urgentes e relevantes independente da área deste tópico. Como você deve lembrar, as áreas são sistema, socialidade, individualidade e cognição. Caso você queira mais detalhes sobre as áreas ouça o primeiro episódio de introdução. Hoje conversarei sobre um tópico da área cognição.

1.      Para este episódio de hoje irei discutir um tópico fora da área socialidade, mas que considero urgente. O volume de pesquisas e evidências avaliando o impacto da transformação que a mídia social trouxe para a sociedade explodiu nos últimos anos com resultados alarmantes. Hoje eu vou conversar sobre o sucateamento da informação junk informattione o crescimento da economia de atenção attention economy, e as consequências para a pessoa que consome esta informação participando ativamente dessa economia.

2.      Há hoje uma discussão enorme em relação ao impacto da mídia social no desenvolvimento neuropsicossocial dos jovens e adolescentes, inclusive com vários livros que dão um panorama excelente de tudo o que está acontecendo. Porém eu hoje gostaria de olhar um aspecto que não está sendo discutido tão amplamente, que é o impacto da transformação da mídia social na forma como os adultos aprendem, pensam, sabem e decidem. Portanto, este episódio de hoje busca identificar as principais consequências para a cognição do adulto que a mídia social causa.

3.      A pergunta que gostaria de responder está relacionada as consequências da economia da atenção combinada com um grande volume de informação sucateada. Cada adulto hoje está sendo inundado com informações provenientes de diversas mídias, informações estas que são basicamente lixo. Isto causa uma confusão mental que chamo de barulho cognitivo. Um grande volume de informação sucateada causa barulho cognitivo e confusão. Sem informação de qualidade é muito difícil ter confiança que os nossos métodos de saber, entender, decidir, analisar e agir estão no caminho certo. O adulto de hoje que consome informação sucateada está acumulando uma base de conhecimento que não permite um entendimento de qualidade. Sem informação de qualidade, a fundação da nossa cognição fica falha e mal estruturada.

4.      Outro fator que piora ainda mais esta situação e a desatenção e as distrações causadas pela explosão da quantidade de tempo que cada um gasta nas telas. Sem atenção é muito difícil desenvolver métodos robustos para processos cognitivos críticos, tais como saber, entender, decidir, analisar e agir. Uma pessoa sem atenção não pensa direito.

5.      A informação sucateada está sendo produzida em grandes quantidades com o objetivo de produzir conteúdo sem uma preocupação com qualidade. O objetivo principal deste conteúdo todo é atrair a atenção do maior número possível de pessoas. Cada conteúdo isoladamente é barato, produzido em larga escala, e não necessariamente aplicado para criar bem-estar. Esta situação se assemelha com o fenômeno de junk food que ocorreu a algumas décadas. A dieta ocidental deteriorou rapidamente devido ao consumo em larga escala de uma dieta pobre, barata, cujo objetivo era lucro sem a consideração do impacto a longo prazo sobre a saúde do consumidor. A distribuição das redes de fast food e da distribuição de doenças consequentes de uma dieta pobre, como a diabetes e a obesidade cresceram juntas de forma alarmante, criando uma crise de saúde pública nos países desenvolvidos que permitiram este crescimento rápido do junk food.

6.      De forma similar hoje, podemos observar a disseminação rápida da junk informattion que está causando uma epidemia de confusão, teorias da conspiração e desinformação. Para ilustrar o impacto que a desinformação causa, a pandemia é um bom exemplo. Países que permitiram a desinformação se espalhar, observaram também um aumento significativo da mortalidade quando comparado com países que coordenarão a informação de forma sistemática, baseada em ciência, com o objetivo de proteger a saúde pública. O número de exemplos de consequências graves causadas por desinformação é infelizmente grande.

7.      Mas por que consumir informação sucateada tem um impacto tão negativo? Cada pessoa toma decisões em relação à própria vida centenas de vezes por dia, decisões sobre trabalho, transporte, alimentação, dinheiro, entre muitas outras. Caso você consuma sistematicamente informação sucateada, todas as decisões serão construídas em cima dessa base de conhecimento. Você consegue imaginar o impacto se todas as decisões são construídas em cima de uma base continuamente empobrecida? Portanto junk information poderá ter um impacto ainda pior do que junk food, pois terá repercussões que vão muito além da nutrição. Não foi à toa que a Universidade de Oxford, do Reino Unido, selecionou BRAIN ROT como a palavra do ano. Eu acredito que a melhor tradução desta palavra para o português seria apodrecimento cerebral.

8.      A economia da atenção faz com que as empresas e grandes corporações busquem ativamente manter a atenção do consumidor presa na tela dos telefones, computadores, tablets etc. pelo maior tempo possível. Mas por que prender a atenção? Gostaria de destacar 2 motivos:

a.      O primeiro motivo é expor o consumidor ao maior volume possível de marketing digital, para vender com o objetivo de obter lucro.

b.      O segundo motivo é coletar o maior número de possível de dados informações a respeito daquele consumidor para ser utilizado na estratégia de marketing digital.

9.      Isto reflete uma mudança significativa no paradigma da economia, pois o objetivo não é só ganhar dinheiro, mas também acumular dados. Esta base de dados acumulada permite o desenvolvimento de algoritmos que continuamente buscam aumentar o tempo de cada consumidor na tela digital. Estratégias sofisticadas que utilizam algoritmos que levam em conta como condicionar o consumidor a ter um comportamento repetitivo, permitem as grandes companhias criar formas extremamente efetivas de condicionamento pavloviano. Isto quer dizer que o consumidor está sendo vítima de um processo ativo que busca criar mais que um hábito de ficar na tela pelo tempo mais longo possível, o objetivo é criar um vício.

10. O impacto de consumir grandes quantidades de informação sucateada e gastar muito tempo nas telas tem uma consequência sinérgica, ou seja, o efeito maléfico da combinação dos 2 é muito pior do que cada um isolado. Atenção é uma habilidade humana que pode ser treinada. A desatenção também pode ser treinada. Quanto mais tempo nas telas, mais difícil se torna manter a atenção focada e concentrada e pior é a desatenção. Pessoas desatentas são vítimas fáceis de distrações. Você consegue imaginar a qualidade do diálogo, da reflexão e da concentração de uma pessoa que não consegue manter a atenção por mais de alguns minutos? Você consegue imaginar a qualidade das decisões desta pessoa? Você consegue imaginar esta pessoa concentrada para aprender e adquirir um conhecimento relevante? Agora imagine a consequência disto tudo ao longo de semanas, meses, anos...

11. Porém gostaria de destacar, que esta pessoa desatenta, que passa horas por semana nas telas consumindo informação sucateada, é uma vítima de várias mudanças dentro de um sistema que quando vistas isoladamente são relativamente inocentes. É difícil ver o impacto deletério que a combinação de uma economia da atenção com informação sucateada consumida em larga escala trás para cada um individualmente. Porém vale a pena tentar. Para enxergar isso com mais clareza outra abordagem seria observar um exemplo do lado oposto.

12. Vamos imaginar alguém que é um esnobe de informação, assim como algumas pessoas são extremamente seletivas com a própria dieta e não comem nada que não seja delicioso e de alta qualidade, proponho hoje imaginar a pessoa altamente seletiva que se recusa a consumir qualquer informação de pouca qualidade. Esta pessoa altamente seletiva, só gasta tempo com informações muito bem concebidas, de fontes renomadas, com especialistas e intelectuais sem conflito de interesses, demandando que o conteúdo seja claro, com referências, e se é possível consulta mais de uma fonte para contrastar a informação. Ou seja, um verdadeiro chato. Sugiro fortemente que você considere a possibilidade de se tornar um consumidor extremamente seletivo de informações e que não aceita nenhuma informação de pouca qualidade.

13. Agora imagine que esta mesma pessoa treina a própria atenção e não gasta tempo algum com telas. Imagine que ela pratique meditação, e, portanto, consiga prestar atenção no mesmo assunto de uma forma concentrada, calma, analisando cada aspecto da informação sem pressa de terminar. Esta pessoa terá a atenção necessária para refletir sobre informações de qualidade e tomar decisões que não tem comparação com alguém que não consegue combinar essas habilidades. Além disso, saber informações sólidas e ter uma habilidade de atenção permitirá estabelecer um diálogo produtivo e informativo com outras pessoas. Informação de qualidade, atenção bem treinada, reflexão e diálogo são os ingredientes ideais para este problema crescente causado pela economia da atenção combinada com informação sucateada.

14. Procuro utilizar fontes de informação que evitem emitir opiniões sem fundamentação sólida em evidências e números. Por exemplo, a revista The Economist tem uma equipe de análise dos dados e de coleta de informações que se baseia em números e tendências observadas ao longo do tempo. As reportagens e os artigos incluem entrevistas, porém tudo é validado em números e evidências objetivas. Isto significa que cada posição, opinião e recomendação são elaboradas sobre uma base de números e dados, e não na opinião transitória e passageira de algumas poucas pessoas. Para ilustrar, irei descrever quais as fontes de informação que eu costumo utilizar:

a.      Para questões geopolíticas eu costumo ler Washington post, the Guardian e the Economist.

b.      Para informações sobre saúde humana em geral, costumo consultar a websites do Hospital John Hopkins, a clínica Mayo e o Manual Merck de medicina. Todas são fontes sucintas, gratuitas, de qualidade e atualizadas continuamente. O manual Merck tem uma versão em português.

c.      Para a literatura científica, utilizo um número enorme de referências e revistas, porém costumo basear grande parte do meu estudo para este podcast nas revistas Nature e Annual Reviews.

15. Acredito que este assunto de hoje pode ser discutido por horas, porém meu objetivo é sintetizar os pontos mais importantes e definir o que você deve fazer a respeito de uma forma simples e direta. Portanto eu recomendo consumir informação de qualidade, treinar a atenção, reduzindo o tempo de tela ao mínimo possível. O interessante disso tudo é que as informações de qualidade são na sua grande maioria de fácil acesso e gratuitas. Além disso ioga, meditação, praticar palavras cruzadas, sudoku são atividades que podem treinar a sua atenção e são também baratas ou até gratuitas. Consumir informação de qualidade e treinar a sua atenção é uma combinação poderosa, que irá permitir você navegar este diluvio de desinformação e esta epidemia de desatenção.

Conexão Sapiens: a ciência desvendando você. 

Um grande abraço do Kald

Meu nome e Kald Abdallah, sou médico e tenho experiência atendendo pacientes de mais de uma década trabalhando principalmente no Hospital Sírio Libanês e HCFMUSP. Faz 24 anos que eu faço pesquisa e desenvolvimento de novos tratamentos para o câncer, com inúmeras publicações científicas. 17 anos atras eu mudei para os EUA e na minha carreira dentro da indústria farmacêutica, trabalhei em várias grandes indústrias como Merck, Sanofi, AstraZeneca, culminando com a posição de chefe mundial da oncologia médica, liderando centenas de ensaios clínicos e um orçamento anual de 1.2 bilhões de reais. Como executivo da indústria farmacêutica, fui pioneiro no desenvolvimento da imunoterapia em câncer, membro do time que desenvolveu e lançou o primeiro medicamento de imunoterapia que demonstrou aumento da sobrevida. Eu estive envolvido no desenvolvimento e lançamento de 7 novos medicamentos oncológicos, que hoje são utilizados em mais de uma dúzia de tumores em várias dezenas de indicações. A imunoterapia no câncer foi uma das causas que pela primeira vez na história houve uma redução da mortalidade do câncer e foi o racional do Prêmio Nobel de medicina de 2018 do Prof James Allison, com o qual trabalhei diretamente. Fui membro do NCPF, um grupo que faz parte da academia nacional de ciências dos Estados Unidos e aconselha políticas relacionadas ao câncer, também participei no board da sociedade norte-americana de imunoterapia no câncer, entre várias outras sociedades médicas. Liderei iniciativas pioneiras em compartilhamento de dados em Oncologia, que foram reconhecidas pelo renomado Think Tank FasterCures e pelo 41º Presidente dos Estados Unidos George H. W. Bush. Também liderei a resposta à crise da pandemia dentro de uma indústria farmacêutica, iniciativa que pela sua excelência, recebeu reconhecimento da academia nacional de ciências dos Estados Unidos. Recentemente, comecei um projeto que tem sido uma verdadeira paixão para mim: o Conexão Sapiens – A ciência desvendando você! É um podcast que busca ir além das estórias passageiras, oferecendo uma exploração profunda e duradoura com o objetivo de sintetizar a ciência no apoio a sua jornada de crescimento social, pessoal e cognitivo. Esta síntese é o resultado de mais de 2 décadas de estudo.

Convido você a participar dessa jornada de crescimento social, pessoal e cognitivo comigo! 

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