Conexão sapiens

Pensando criticamente #26

Kald Abdallah Season 2 Episode 26

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Imagine um nativo Maori acordando pela manhã há milhares de anos atrás, para um dia de pesca com membros da tribo, sem nenhuma tecnologia, este grupo sai para pescar e navega por centenas de quilômetros. Com as informações coletadas da própria natureza, este grupo consegue saber para onde ir, como chegar e através dos ventos, dos pássaros, correntezas, ondas, estrelas, sol, navegar o mar aparentemente infinito. Cada membro do grupo aprendia continuamente, sabia o que e como fazer, se adaptando integralmente a tribo, a natureza e ao trabalho colaborativo. Cada um aprendeu no decorrer de anos, como interpretar as informações que a natureza passava, metodicamente transformando todas estas informações em decisões que permitiram a todos pensar em sintonia e trabalhar colaborativamente. A integração entre cada membro do time, se refletia na forma como cada um pensava, como parte de um grupo coeso que entendia o ambiente ao redor e se adaptava de forma bem-sucedida. A vida de todos dependia da efetividade de cada um e vice-versa. 

A capacidade cognitiva de capturar informações empíricas do ambiente, analisar e aplicar essas informações de uma forma efetiva para decidir como navegar e pescar, reflete uma habilidade que foi desenvolvida no decorrer de anos de colaboração e treinamento individual. 

O nativo começa a aprender cedo, brincando, trabalhando, colaborando e no convívio social. Com uma relação de mestre e aprendiz, integrado ao trabalho diário e com objetivos específicos de permitir a adaptação deste indivíduo e da tribo para sobreviver naquele ambiente. Pensar era uma habilidade individual exercida coletivamente. Aprender a pensar era um treinamento realizado na prática da vida diária, com objetivos específicos. O objetivo da cognição humana vai além de estar certo e ser racional, busca permitir uma adaptação integrada e flexível ao mundo dentro de um time, a rede social daquele indivíduo. 

A informação coletada pelo nativo maori durante a caça ou navegação tinha uma função específica e era utilizada de forma sistemática para entender como agir. Informação era transformada em conhecimento, que então era transformado em decisão e ação. Havia uma integração entre a informação e as ações. Informações e conhecimento eram transformados decisões sábias e adaptadas aquela realidade. Este processo gradual, sistemático, integrado, de aprendizado social, com atividades em grupo, observação contínua de fatos e informações coletadas empiricamente, demonstra uma cognição completamente integrada entre todos e aplicada na vida.

A capacidade de pensar segue os principais princípios do pensamento crítico. O nativo maori pensa criticamente.

Por favor me enviem sugestões, críticas construtivas e perguntas. Me sigam no Instagram @kaldconexaosapiens e para concluir, caso você ache que este é um assunto que vale a pena, por favor espalhe essa notícia, tem um novo podcast - Conexão Sapiens: a ciência desvendando você.

o Um grande abraço do Kald.

Conexão Sapiens: a ciência desvendando você.

Podcast número 26, episódio da área cognição.

Pensando criticamente 

Oi, pessoal, muito bom estar de volta hoje no episódio 26.

Imagine um nativo Maori acordando pela manhã há milhares de anos atrás, para um dia de pesca com membros da tribo, sem nenhuma tecnologia, este grupo sai para pescar e navega por centenas de quilômetros. Com as informações coletadas da própria natureza, este grupo consegue saber para onde ir, como chegar e através dos ventos, dos pássaros, correntezas, ondas, estrelas, sol, navegar o mar aparentemente infinito. Cada membro do grupo aprendia continuamente, sabia o que e como fazer, se adaptando integralmente a tribo, a natureza e ao trabalho colaborativo. Cada um aprendeu no decorrer de anos, como interpretar as informações que a natureza passava, metodicamente transformando todas estas informações em decisões que permitiram a todos pensar em sintonia e trabalhar colaborativamente. A integração entre cada membro do time, se refletia na forma como cada um pensava, como parte de um grupo coeso que entendia o ambiente ao redor e se adaptava de forma bem-sucedida. A vida de todos dependia da efetividade de cada um e vice-versa. 

A capacidade cognitiva de capturar informações empíricas do ambiente, analisar e aplicar essas informações de uma forma efetiva para decidir como navegar e pescar, reflete uma habilidade que foi desenvolvida no decorrer de anos de colaboração e treinamento individual. 

O nativo começa a aprender cedo, brincando, trabalhando, colaborando e no convívio social. Com uma relação de mestre e aprendiz, integrado ao trabalho diário e com objetivos específicos de permitir a adaptação deste indivíduo e da tribo para sobreviver naquele ambiente. Pensar era uma habilidade individual exercida coletivamente. Aprender a pensar era um treinamento realizado na prática da vida diária, com objetivos específicos. O objetivo da cognição humana vai além de estar certo e ser racional, busca permitir uma adaptação integrada e flexível ao mundo dentro de um time, a rede social daquele indivíduo. 

A informação coletada pelo nativo maori durante a caça ou navegação tinha uma função específica e era utilizada de forma sistemática para entender como agir. Informação era transformada em conhecimento, que então era transformado em decisão e ação. Havia uma integração entre a informação e as ações. Informações e conhecimento eram transformados decisões sábias e adaptadas aquela realidade. Este processo gradual, sistemático, integrado, de aprendizado social, com atividades em grupo, observação contínua de fatos e informações coletadas empiricamente, demonstra uma cognição completamente integrada entre todos e aplicada na vida.

A capacidade de pensar segue os principais princípios do pensamento crítico. O nativo maori pensa criticamente.

As pessoas hoje frequentemente têm a impressão de que a nossa cognição é muito mais desenvolvida hoje do que há 20 ou 30000 anos atrás. Porém convém lembrar que uma pessoa que vivia numa tribo na fase pré agricultura estava frequentemente muito bem adaptada aquele ambiente. O catador caçador conseguia entender o mundo que o cercava, trabalhar em sintonia com os outros e se adaptar rapidamente a todas as mudanças e desafios. 

Hoje o cenário é bem diferente, os princípios mais fundamentais do pensamento crítico não são aplicados pela grande maioria das pessoas e estão desconectados do sistema ao redor de cada um. 

Gostaria de destacar alguns problemas na forma como pensamos hoje:

·       O conhecimento não tem função. O conhecimento não está sendo transformado em ação, grande volume de informações são consumidas sem nunca ser aplicadas. As informações que a grande maioria das pessoas obtêm no dia a dia está desconectada, e estão relacionadas a eventos distantes, conceitos genéricos, informações sucateadas, que inundam a vida de cada um. As informações não são selecionadas, analisadas e transformadas em decisões que irão trazer o bem-estar. Para que as informações que você obtém sejam efetivas, estas devem estar integradas dentro de um processo cognitivo que transforma conhecimento em ação. A informação que nunca é aplicada é como comprar roupas e nunca usar, acumula, ocupa espaço mental, consome tempo e dinheiro, mas é inútil. O hábito de consumir informações irrelevantes e ou sucateadas, que são utilizadas em conversas inúteis, não ajuda você a treinar como pensar criticamente. O pensador crítico identifica a informação relevante, com um objetivo definido, aplicando esta informação em uma análise e ou decisão que melhora a saúde biopsicossocial. Informação sem aplicação é barulho e reflete uma incapacidade cognitiva de pensar criticamente. 

·       O aprender a pensar não está integrado ao Modus Operandi da escola ou trabalho. Outro ponto importante, o nativo Maori passou a vida aprendendo a pensar de uma forma completamente integrada a vida diária, as pessoas da tribo e ao ambiente que vivia, uma realidade muito diferente da de hoje. O nativo Maori pensava coletivamente junto com a tribo, coletando informações, tomando decisões e trabalhando colaborativamente. O pensar individual estava integrado a tudo e a todos. Não havia um isolamento cognitivo. Hoje a escola não tem um processo disciplinado e sistemático para ensinar a pensar criticamente. As oportunidades de colaboração são raras. Poucas pessoas vivem em um ambiente que permite desenvolver a cognição de uma forma sofisticada e completamente integrada com as pessoas, as atividades e vida real. O fracasso da escola no ensino do pensamento crítico se reflete na falta de preparação dos professores, na falta de debate, na pobreza do diálogo, nas poucas oportunidades de colaborações, metodologia inapropriada e métricas inadequadas para o ensino do pensamento crítico. A habilidade mediana de pensar criticamente de um universitário hoje é medíocre no Brasil. O mesmo acontece no ambiente de trabalho, onde poucas organizações de excelência priorizam o desenvolvimento do pensamento crítico dos seus funcionários. Pensar criticamente não deveria ser uma habilidade que você aprende sozinha. O aprendizado do pensamento crítico deveria ser integrado aos objetivos e processos na escola e trabalho. Sugiro também você ouvir o podcast sobre colaboração. 

·       Pensar deixou de ser uma ação coletiva. Poucas pessoas têm tempo para gastar em um diálogo de ideias, a qualidade e a frequência com que as pessoas debatem ideias está cada vez menor. O diálogo genuíno de ideias está sendo substituído pelas horas de tela, enquanto o pouco debate que existe, ocorre entre grupos extremos que não escutam um ao outro. Estamos perdendo a capacidade de pensar coletivamente. A qualidade do diálogo e do debate dependem muito das habilidades individuais e das oportunidades de colaboração verdadeiras. Colaborar e pensar criticamente são habilidades que caminham em paralelo também. Pensar está se tornando uma atividade praticada com pouca habilidade solitariamente. Porém sem o componente social do pensar, ou seja, o ato de pensar alto junto com outras pessoas, a habilidade de pensar criticamente não se desenvolve. Trabalhar em um time que colabora, com objetivos comuns, debate as ideias e mantem um diálogo produtivo, onde todos pensam criticamente juntos não é comum. Este é o ambiente ideal para aprender a pensar criticamente. 

Pensar criticamente na minha opinião não é pensar como o Spock, de uma forma lógica racional e isolada, mas sim consumir informações apropriadas, transformando estas informações em decisões, pensando de uma forma integrada, colaborando com as pessoas ao seu redor para se adaptar esta realidade de uma forma sábia, para que todos fiquem mais felizes, ricos e saudáveis.

Caso você queira estudar o que é pensar criticamente, eu acredito que você deverá ler bastante. Não só a ciência da cognição humana, mas também entender aspectos da nossa socialidade, comunicação, decisão entre muitos outros. É possível ficar anos estudando pensamento crítico, se perdendo numa quantidade absurda de conhecimento, só para ter uma ideia existem mais de cem vieses cognitivos diferentes descritos. 

 

Apesar do volume absurdo dê ciência por trás do pensamento crítico e da cognição humana, acredito que o pensar criticamente pode ser destilado em alguns poucos princípios. Mas afinal, quais são os princípios do pensamento crítico:

 

Objetividade: 

  • Separa fatos de opiniões: Distingue claramente o que é comprovado por evidências do que são meras interpretações ou crenças pessoais.
  • Considera diferentes perspectivas: Está aberto a diferentes pontos de vista e analisa os argumentos de forma imparcial.
  • Evita generalizações e conclusões apressadas: Baseia suas conclusões em evidências suficientes e não em casos isolados ou estereótipos.

 

Método 

A abordagem sistemática, por sua vez, refere-se à aplicação de um método organizado e estruturado para analisar informações e chegar a conclusões. Um pensador crítico que aborda um problema sistematicamente:

  • Define claramente o problema: Identifica o problema a ser analisado de forma precisa e concisa.
  • Coleta informações relevantes.
  • Analisa as informações de forma lógica: Organiza as informações coletadas e as avalia de forma crítica, identificando padrões, inconsistências e lacunas.
  • Considera diferentes hipóteses para o problema e avalia a plausibilidade de cada uma.

 

Evidência Empírica baseada em informações relevantes 

  • Proteção contra o viés: Ao exigir evidências concretas, o ceticismo nos ajuda a evitar que nossos julgamentos sejam influenciados por nossos preconceitos ou emoções.
  • Promoção da objetividade: A busca por evidências empíricas nos leva a analisar as informações de forma mais objetiva, sem nos deixar levar por argumentos falsos.

 

A Importância da falsificabilidade no Pensamento Crítico

  • A falsificação é quando alguém pode provar que você está errado, este é um dos critérios mais fundamentais que o pensamento científico e do pensamento crítico. 

Pensar criticamente é predominantemente social – colaboração, debate e diálogo.

Você precisa saber dialogar e debater ideias. Saber e aprender são processos fundamentalmente sociais. Expor as nossas posições e perspectivas a pressão de outras pessoas cria uma forma saudável de avaliação por pares. No caso do processo científico, a revisão por pares é um método em que especialistas em um determinado campo avaliam o trabalho de seus colegas. Essa prática é fundamental para garantir a qualidade da pesquisa e do conhecimento científico. Ao submeter suas ideias à análise de outros você:

  • Fortalece seus argumentos: A crítica construtiva dos pares ajuda a identificar falhas e a aprimorar os argumentos. Um diálogo rico traz um pensamento mais apurado.
  • Aumenta a credibilidade: A aprovação por pares confere maior credibilidade aos resultados de uma pesquisa.
  • Promove a colaboração: A revisão por pares estimula o diálogo e a troca de ideias entre pesquisadores.
  • Combina diferentes perspectivas: A diversidade de ideias e experiências enriquece a análise de um problema.

Desenvolvimento cognitivo moral e ético

·       Caso você queira entender melhor a cognição moral, recomendo que você ouça também o podcast número 3. Pensar as consequências de cada ação e ou decisão para proteger o bem-estar de todos e de si mesmo reflete uma cognição moral bem desenvolvida. Incorporar uma reflexão cuidadosa e engajada nas ações do dia a dia, nas intenções, nos relacionamentos sociais, nos objetivos pessoais e profissionais irá aumentar bastante o esforço cognitivo necessário, porém resultara em uma qualidade que pode ser resumida em uma palavra – SABEDORIA.

 

Pensar está integrado com um sistema complexo

·       Pensar criticamente de forma efetiva significa integrar este processo cognitivo ao sistema complexo no qual esta pessoa está inserida tanto para fora quanto para dentro. O que eu quero dizer com isso é que pensar criticamente deve ser integrado com o mundo que nos cerca e o pensamento deve estar em sintonia com as ações e as pessoas que estão ao nosso redor. Também significa entender que o ato de pensar criticamente reflete a lógica de um cérebro humano, olhar para dentro e entender a nossa própria humanidade, desenvolver a nossa racionalidade em paralelo com uma cognição social, moral e emocional. O pensamento e a análise do dia a dia devem estar integrados com a vida da pessoa no espaço ao redor considerando as decisões que são necessárias para que cada ação seja adequada e efetiva. Pensar criticamente vai muito além de ser racional e lógico, significa ser sábio. 

·       O pensador crítico sabe que a cognição humana não é constituída somente pelo lobo frontal, ou seja, não somos seres matematicamente racionais, ser um membro da nossa espécie significa ter emoções e socialidade. Portanto, é importante entender que para ser um pensador crítico, é preciso também ser humano. Para pensar criticamente e prevenir vieses, é preciso desenvolver uma cognição emocional e social sólidas. Treinar a função executiva, ou seja, a nossa capacidade de avaliar de uma forma sistemática o que está acontecendo e levar em consideração todos os aspectos, incluindo as nossas próprias emoções e o contexto social, não é um exercício fácil. Criar uma trincheira por trás da racionalidade pura, acusar todas as outras pessoas de não saber pensar por que elas não são lógicas, não leva em consideração o contexto humano, que existe por trás do lobo frontal. A racionalidade humana existe por cima de um ser emocional e social. Eu vejo frequentemente posts no Instagram de jovens académicos que defendem posições extremamente lógicas, porém dogmáticas, que não contextualizam a situação que cada um de nós vive. Por exemplo, criticar agressivamente o indivíduo que propaga teoria de conspirações, polariza diferenças entre 2 grupos que cria competição e antagonismo, porém buscar entender por que este indivíduo está com medo e criando fantasias paranoicas, pode ser um passo muito mais sábio. Conversar com compaixão e respeito, buscando entender o contexto social e emocional por trás de comportamentos ilógicos e mal adaptados, dá muito mais trabalho do que acusar a pessoa de ser estúpida e não pensar racionalmente. O desenvolvimento e treinamento das habilidades necessárias para se tornar um pensador crítico leva anos, para tal é preciso acesso fácil a conhecimento, uma cultura que fomenta o aprendizado, treinar a atenção, colaborar continuamente, estar em um ambiente social rico com diálogo e debate, apurar a sua cognição social, emocional e moral, entre outras coisas. A escola, a família e o local de trabalho raramente estão preparados para prover este ambiente. Uma pequena elite, que teve a sorte de um ambiente propício para se desenvolver, deve reconhecer que grande parte da própria habilidade de pensar criticamente foi consequência do acaso e de fatores externos, não necessariamente mérito próprio.

 

Portanto resumindo os princípios fundamentais do pensamento crítico, podemos dizer que o pensador crítico é:

Objetivo

Metódico. 

Empírico, usa informações relevantes.

Falsificável

Social: colaborativo, debate e diálogo

Ético

Integrado: aprender, saber, colaborar e agir são verbos que andam juntos.

 

Imaginar que a grande maioria das pessoas hoje tem uma cognição que pensa criticamente mal quando comparado com um catador Caçador de 20 a 30000 anos atrás é de certa forma surpreendente. 

O desenvolvimento do pensamento crítico requer vários níveis diferentes e leva tempo. Porém o potencial do design humano permite que isso aconteça dentro das condições apropriadas. Como chegar lá é um desafio para você que este podcast irá apoiar.

 

Por favor me enviem sugestões, críticas construtivas e perguntas. Para concluir, caso você ache que este é um assunto que vale a pena, me siga no Instagram @kaldconexaosapiens e por favor espalhe essa notícia - Conexão Sapiens: a ciência desvendando você

 

 

Um grande abraço do Kald