Biblioteca de Clichês

Episódio #9 - "Audiolivro nem é livro"

Marina Pavan Season 1 Episode 9

Bem vindos ao podcast Biblioteca de Clichês. Eu sou a Marina e, nesse espacinho da internet, vou falar sobre os clichês presentes nos livros que eu leio e dar a minha opinião se eles funcionam na história ou não. Às vezes os episódios são completamente aleatórios porque eu perco o fio da meada? Sim. Mas essa é a experiência de ouvir o que se passa na minha cabeça.

Esse episódio é sobre audiobooks e porque eu não gosto quando pessoas dizem que "ouvir audiolivro não conta como leitura". 

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Próximo episódio: falando sobre o livro Sociedade Supersecreta das Bruxas Rebeldes (Sangu Mandanna)

SPEAKER_00:

Oi, eu sou a Marina, esse é mais um episódio do podcast Biblioteca de Clichês, e eu odeio, odeio, quando eu escuto alguém dizer que audiolivro não é livro. Vocês viram? Eu disse que eu ia voltar, e eu disse que eu ia voltar porque eu sabia, eu estou gravando três episódios, um depois do outro, pra eu ter certeza que eu não ia desistir. Então eu tô no passado, não sei se vocês gostaram ou não do último episódio, que foi sobre o termo pornô de fada e como ele é machista. Se vocês quiserem ouvir, está aqui na descrição. Mas escutem esse primeiro, tá? Não sei se vocês gostaram, mas de qualquer forma, como esse é o meu cantinho da internet, eu uso ele pra falar sobre as coisas que me importam. E pessoas dizendo que audiolivro não é livro, me importam. É um assunto completamente raso? Sim. Eu ligo? Não, porque eu acho importante. Eu quero contar pra vocês a minha história com novas formas de consumir livros. Eu não vou nem dizer que eu tive resistência com esse meio, porque ele meio que entrou de supetão na minha vida, assim. Mas... Eu tive muita resistência, por exemplo, quando os e-books surgiram e eu gostava de livros físicos. Eu me rendi porque, quando eu era mais nova, eu levava, tipo, cinco livros pra viajar se eu ia ficar três dias fora. E por que eu fazia isso? Porque eu tenho TDAH, pra quem não sabe, né? Então, às vezes, eu começava a ler e não era o que eu queria. Ou eu começava a ler e gostava, depois da noite eu queria ler outra coisa. Ou eu sempre li muito rápido, então, tipo, dois livros ia dar pra três dias, mas e se eu não gostasse de um deles? E aí, eu ia ficar sem opções? Não. Então, eu levava uma quantidade... anormal de livros pra ficar pouquíssimo tempo. E aí, quando eu descobri que esses e-readers existiam, esses e-books, eu comprei um em 2011, quando eu morava nos Estados Unidos. Aí foi maravilhoso, porque eu consegui viver com uma biblioteca nas minhas mãos. E aí eu virei adepta. Eu era resistente, mas virei adepta. Quando ele começou a não funcionar mais, eu comecei a ler no celular, no iPad e tal. E isso até 2023, tá? Porque eu comprei o Kindle da Lívia na Black Friday de 2023. Juro. Eu li Trono de vidro inteiro. São oito livros e os últimos são imensos no meu celular. E aí, nos últimos anos, Comecei a ouvir um monte de gente dizendo que eu ouvia os livros. Achei estranho, mas era algo que eu não conhecia, meio completamente novo pra mim. E fora isso, o audiobook só chegou aqui no Brasil em outubro de 2023. E apesar de outras plataformas como o Tocalivros, o Storytel e tal já existirem antes, quem consumia audiolivros nessa época baixava os audiolivros na internet. Eu sou péssima de tecnologia. Eu tenho muita dificuldade de entender como coisas novas funcionam, então... Eu nunca fui atrás de descobrir os audiobooks. Eu tava muito bem obrigada com os podcasts e músicas nos meus ouvidos e o livro na minha mão. Eu baixei o Audible quando eu tava nos Estados Unidos, em março de 2023. Peguei os três meses de graça pra testar e adivinha? Nunca usei. Em agosto, eu vi que tinha um valor em dólar caindo na minha conta. Porque ainda era a conta do Audible dos Estados Unidos. E eu lembrei que eu não tinha cancelado. Entrei no app pra cancelar e porque tinham passado alguns meses, eu tinha alguns créditos. Resolvi usar um deles pra ouvir um livro de fantasia que eu tinha me apaixonado apaixonado no começo do ano, que foi A Corte de Nelva e Fúria, pra ver se eu gostava da experiência. Gostei, ouvi, foi ok. Pausei minha assinatura, porque eu não tava usando muito. Mas os créditos ficaram lá. Em agosto de 2023, eu comecei a ler Trono de Vida. E eu fiquei apaixonada. Eu não conseguia parar de ler. De novo, eu tenho TDAH. Amigos, quando eu falo que eu não conseguia parar de ler, eu quero dizer que eu fiquei num hiperfoco por um mês. Eu demorei 28 dias pra ler esse livro, num momento que eu tinha coisas pra fazer na minha vida. Tipo, não é que eu não... Igual agora, que eu tô pós-cirúrgica, enfim. Eu... Tinha muitas coisas pra fazer. E eu não conseguia parar de ler. Eu lia em todos os momentos que eu podia. E quando eu não podia, eu ficava pensando na história. Eu tava ficando ansiosa porque eu tinha essas outras coisas pra fazer. Nesse momento, eu lembrei dos créditos do audiobook que eu ainda tinha. Baixei o audiobook de Rainha das Sombras. Minha vida nunca mais foi a mesma. E agora eu vou dizer pra vocês a minha experiência como uma pessoa que tem TDAH. Os audiobooks me ajudam muito. Eles me permitem fazer coisas quando eu tô em algum hiperfoco de algum livro, porque eu tenho muitos hiperfocos de livros. E escutar fantasia enquanto eu tô fazendo outras coisas. Me ajuda em tarefas que eu teria que gastar muita energia mental pra fazer. E todas as tarefas do mundo eu preciso gastar muita energia mental pra fazer porque eu tenho TDAH. Mas, por exemplo, arrumar a cozinha, arrumar coisas de casa, sair pra fazer alguma coisa que eu tô procrastinando horrores. Se eu estou ouvindo uma construção de mundo e tal, eu não fico focada nas coisas que eu estou fazendo manuais, tá? Quando eu estou escrevendo alguma coisa assim, eu não consigo, porque aí eu fico focada demais na fantasia. Mas quando eu estou fazendo coisas que não demandam atenção de detalhes e são coisas mais mecânicas, me ajuda muito. Porque aí o meu cérebro foca na fantasia, foca na construção de mundo e as coisas ficam muito mais fáceis. E eu também uso pra terminar livros que eu não estou amando. Por exemplo, no meu clube do livro, a gente estava lendo Quarta Asa. E era um livro que eu sabia que eu não ia gostar, mas eu tava com expectativas de que podia ser ok. Eu tava com as expectativas controladas, então achando que eu ia ok, beleza. E eu também vou fazer um episódio especificamente sobre padrões que eu percebo em livros de fantasias que eu não gosto, que eu acho que fazem eles não ficarem bons, mas enfim, é outra história. Eu fui ler Corta Asa com as expectativas controladas, achei... No final do primeiro eu falei, se ela não fizer direito, os outros vão ser muito ruins. Dito e feito. O segundo é horroroso. E falarei mais sobre nesse outro episódio. Mas eu tava achando tão ruim, tão ruim, tão ruim, que eu não conseguia terminar. Normalmente, eu sou uma pessoa que para de ler no meio. Mas como eu tava lendo com as minhas amigas, eu queria terminar pra poder concluir. discutir com elas sobre o assunto. E eu não ia aguentar ficar parada e lendo aquele livro, porque tava sendo muito chato pra minha cabeça. Então eu ouvia o audiobook enquanto eu estava fazendo outras coisas, enquanto eu passeava, enquanto... Enfim. E assim eu consegui terminar a história. Não gostei, mas consegui terminar. Mas vamos para o importante desse episódio, que é por que que me irrita quando alguém fala tem o ranço de audiobook ou que audiobook não é livro? Primeiro que é óbvio, eu acho meio birra com uma fama nova, assim, os audiobooks existem, eles vão continuar existindo, você goste ou não. E assim como eu e os e-readers, não tem nada que você pode fazer. Não é todo mundo que vai gostar. Igual não é todo mundo que gosta de Kindle, as pessoas gostam de pegar o livro físico. Tá tudo bem. Mas falar nesse tonzinho de ranço ou sei lá, diminui a experiência da pessoa que está usando o audiobook pra consumir o livro. E eu acho que criticar a forma que uma pessoa lê não leva a absolutamente nada. Só faz você ser chato com quem tá lendo. A pessoa está consumindo a mesma obra. São as mesmas palavras. Ela tá só usando um meio diferente. Não é uma adaptação. É a mesma obra. Segundo, histórias são contadas de forma verbal desde a existência da humanidade. Contos, folclores, crenças, histórias de ancestralidade e tantas outras coisas. Dizer que só o que é escrito conta é igual dizer que a tradução oral não é importante. Eu não sei vocês, mas eu daria tudo pra ouvir mais uma vez a história que minha avó me contava quando eu era criança. Fiquei até emocionada. Eu adorava que na minha escola tinha uma contadora de histórias e uma vez por semana a tia Maria contava a história pra todo mundo. Ouvir histórias com emoção, com vida, com a voz, é sim uma experiência diferente. E assim, essas duas coisas que eu falei primeiro, tá bom, são minhas questões, você pode concordar ou discordar, mas tem duas coisas que são realmente, assim... que eu acho que são mais importantes ainda nessa discussão. E a primeira delas é que dizer que você tem rancos de audiolivro e que audiolivro não é livro, você está sendo extremamente capacitista. Os audiolivros, eles existem desde os anos 70. Antes eram fitas, depois CDs, mas não é algo que a internet inventou. E sim, eles existem pra vender mais livros, claro. Mas sabe o que essa forma fez? Ela permitiu que livros sejam aproveitados por pessoas que não conseguem ler. Não conseguem olhar pra página e ler. Seja porque a pessoa não enxerga, tem alguma outra deficiência, que não consegue ler e absorver conteúdos longos, tem dislexia, autismo, TTH mesmo que eu tô falando, pra mim faz muita diferença. Vamos lembrar que cerca de 11 milhões de pessoas no Brasil são analfabetas. E mesmo as que não são analfabetas ou não são analfabetas funcionais e coisas assim, quantas conseguem pegar um livro grande e se envolver com aquela história dessa forma de leitura mesmo, olhando pro papel. Ter A possibilidade de escutá-los faz deles acessíveis para pessoas que não teriam acesso. Marina, tudo bem, né? Vamos tirar a acessibilidade da conta. É óbvio que isso é um ponto positivo. Mas a experiência do audiolivro é completamente diferente. Você não tem que dedicar o seu tempo igual as pessoas que estão sentando e lendo. Sim, é verdade. É diferente porque você pode ouvir enquanto está fazendo outras coisas. Mas você já parou para pensar que isso é outro tipo de acessibilidade? É muito fácil dizer que a leitura só conta quando a gente tem tempo para sentar e ler. Quando a gente pode fazer isso. A grande maioria da população brasileira trabalha a maior parte do dia. Horas em transporte público e quando chega em casa ainda tem coisa para fazer. Acho incrível que essas pessoas podem colocar seus fones e escutar essas histórias, a mesma história que você está sentando e lendo enquanto está no ônibus, enquanto está trabalhando, enquanto está fazendo outras coisas. Porque se ela não puder ouvir o livro, ela não vai ter tempo de aproveitar a história que você está aproveitando. E é óbvio que eu não estou dizendo que os trabalhadores do Brasil, todos, têm acesso a audiolivros, tá? Mas você consegue achar no celular, você consegue encontrar... seja no aplicativo da Audible ou de todos os outros aplicativos que existem. Existem vários audiolivros no YouTube, existem vários audiolivros que você consegue baixar em sites. Não estou dizendo aqui que eu sou a favor da pirataria, mas eu estou dizendo que é uma forma que as pessoas acessam conteúdo. Alguém falar que audiolivro não é livro e só quem pode consumir os livros, não as pessoas que têm tempo para ler, é um pensamento extremamente elitista. E de quem tem tempo sobrando para fazer o que quer? E não está pensando nos outros, que não têm esse mesmo tempo. Eu tenho. Mas as pessoas que não têm, elas não têm direito de consumir os livros que eu consumo? Eu gostaria muito que a gente vivesse num sistema em que todo mundo tivesse direito de ter tempo livre pra ser feliz. Infelizmente, a gente vive no capitalismo. E no capitalismo, tempo é privilégio. E tempo livre pra ler é privilégio de... Pouquíssimos. Assim, livro já é caro, livro já precisa saber conseguir ler pra consumir, você já tem que conseguir entender a história, que às vezes você não entende nada, e você tem que ter tempo pra ler. Aí se você falar que uma das formas que a pessoa pode fazer duas coisas ao mesmo tempo e ainda consumir o livro não vale, é só elitismo. Tá bom, Mari, não entendi, ok? Mas tem pessoas que têm tempo, conseguem ler, e mesmo assim elas estão ouvindo audiolivros além dos livros físicos que elas estão lendo. Eu me irrito, porque elas lêem o dobro do que elas leriam desse jeito, e muito mais do que eu leio. Como é que uma pessoa tem 60 livros que ela já leu nesse ano, se eu só tenho 10?

UNKNOWN:

Tá bom.

SPEAKER_00:

Se irrita. Você provavelmente lê mais do que muita gente. Eu provavelmente leio muito mais do que você. E pessoas leem muito mais do que eu. Se você quer competir com todos os leitores do Brasil e resolver que esse é o motivo que você quer fazer bia com alguma coisa, boa sorte. Tipo assim, ignora tudo que eu falei e continua achando que só isso que importa. Quer formar suas opiniões baseadas em um grupo extremamente segmentado? Faça. Quer se irritar que as suas amigas escutam audiolivros e leem mais que você? Tá bom. Se irrita, tá tudo certo. No seu grupo você faz o que você quiser. Agora, com Cuidado com os comentários que podem desestimular pessoas a consumirem as obras. E outra coisa importante, no ano passado, em novembro, saiu uma pesquisa chamada Retrato da Leitura do Brasil. E ela mostrou que mais de 50% da população brasileira não consome livros. É uma perda de 7 milhões de leitores desde 2019. Existem cada vez mais livros sendo censurados de vestibulares, escolas ou criticados por conservadores por milhares de motivos inventados para que a gente não leia obras diversas em questão de cores gênero, sexualidade, de classe social, de tudo. Jura que a gente vai ficar aqui fazendo birra com audiolivro quando essa é a realidade do país que a gente está enfrentando? E não só do país, do mundo, porque existem livros sendo censurados no mundo inteiro hoje com o avanço da extrema-direita. Eu não consigo achar que diminuir a forma, o meio que alguém consome esse produto cultural é justo. Eu espero... Que se você já falou isso alguma vez na vida, já pensou isso ou ainda pensa, que esse podcast tenha te ajudado a ver talvez o outro lado. Se você não gostou de mais um episódio com áreas políticos, talvez esse podcast não seja pra você. Pra mim, leitura é política, sim. E eu acho que esse episódio ficou muito claro, de novo, porque, né? Eu vou sim fazer de novo alguns episódios sobre livros específicos. O próximo episódio vai sim ser sobre, finalmente, a Sociedade Supa Secreta de Bruxas Rebeldes, da Sangu Mandana. E eu também vou fazer outros episódios com temas mais leves, falando dos clichês que eu gosto, dos que eu não gosto, de fantasia, que vocês sabem que eu amo. Mas, assim, pra mim... segue sendo extremamente importante que a gente discuta política quando a gente discute literatura. Seja nas fantasias, seja nos meios, seja em quais autores a gente consome. Até por isso, eu estou fazendo um desafio no meu Instagram pra consumir livros de autores mais diversos e com temas mais diversos. Então, não é só isso, tá? Mas assim, é uma das coisas que eu estou fazendo ativamente esse ano. Eu acho que é importante... que a gente faça isso, com as escolhas que a gente tem na nossa leitura. Se você chegou até aqui e gostou desse episódio, por favor, vá no Instagram, no TikTok, Biblioteca de Clichês, pra seguir mais conteúdo de livros, com política e a minha visão neurodivergente das coisas. E eu espero que você volte na semana que vem. É isso. Um beijo.

UNKNOWN:

Tchau!

SPEAKER_00:

Esse episódio foi escrito, apresentado e editado por mim, Marina. A arte de capa foi feita pela Isadora. E você pode ver outras ilustrações dela no arroba Isasalines no Instagram.