Chá Comigo, Podcast de Tsering Paldron

Éramos felizes e não sabíamos

January 19, 2021 Tsering Paldron Season 1 Episode 17
Chá Comigo, Podcast de Tsering Paldron
Éramos felizes e não sabíamos
Show Notes Transcript

Há um ano atrás, neste podcast, publiquei um episódio “A minha vida tem uma vida própria” em que falava da avaliação que costumo fazer no início de cada ano. Hoje, no início de 2021 e depois de alguns meses de silêncio, quero voltar a estes chás e partilhar consigo, caro amigo ou amiga, algumas constatações.

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Éramos felizes e não sabíamos

Há um ano atrás, neste podcast, publiquei um episódio “A minha vida tem uma vida própria” em que falava da avaliação que costumo fazer no início de cada ano. Hoje, no início de 2021 e depois de alguns meses de silêncio, quero voltar a estes chás e partilhar consigo, caro amigo ou amiga, algumas constatações.

Janeiro de 2020. Começámos a ouvir falar de um novo vírus, aparecido na China, de uma cidade confinada, de milhares de pessoas de máscara. Se foram como eu, pensaram que ia ser como a gripe das aves, ou como os constantes alerta-laranja de cada vez que há um pouco mais de vento ou que as temperaturas sobem ou descem um pouco mais. Estávamos longe de pensar no verdadeiro Tsunami que se preparava, em terras chinesas, para nos submergir a todos e virar a nossa vida de pernas para o ar. 

E aqui estamos nós, um ano depois, em mais um confinamento geral, para mais 2 ou 4 semanas de “prisão domiciliária” como diz uma amiga minha. Há quem chame a isto o novo normal. Eu ainda não me habituei...

Claro que já começo a ter o reflexo de verificar se tenho a máscara, cada vez que saio de casa. Mas nem sempre... E, de vez quando, olho à minha volta e contemplo com estranheza os rostos mascarados de todos os que me rodeiam. E durante um breve instante de desorientação pergunto-me se somos figurantes de algum filme futurista ou se estarei a sonhar. 

Mas a realidade teima em afirmar-se todos os dias. E muitas das coisas que nos pareciam garantidas e imutáveis há um ano atrás têm-nos sido negadas nos últimos meses. Abraços. Beijos. Convívio despreocupado. Saídas. Encontros. Celebrações. Viagens... e tantas outras coisas tão simples e tão óbvias que nem dávamos por elas.

Há um ano atrás, no meu episódio de podcast eu dizia:

No outro dia, um post do facebook mostrava num gráfico o valor que damos às coisas. Se, numa escala de 1 a 10, antes de as termos, lhes dermos 6, depois de as possuirmos damos-lhes 3 e quando as perdemos 9. Este fenómeno é bem conhecido de todos nós: tudo o que damos por garantido desvaloriza aos nossos olhos. 

É irónico que algo que sofremos para obter, e que vamos amargamente lamentar quando perdermos, nos dê tão pouca felicidade enquanto está presente. E isso, apenas por estarmos tão inconscientes da sua impermanência. Então, quanto mais percebermos que tudo é passageiro, que tudo muda e nada é garantido, mais valor daremos ao que possuímos neste momento e finalmente mais aproveitaremos a vida.

 Pois é... às vezes, em tom de brincadeira, digo aos amigos com quem não me tem sido permitido conviver “éramos felizes e não sabíamos”! Pois nenhum de nós sabe quando poderemos voltar a abraçar-nos.

Se há coisa que tudo isto nos tem ensinado é mesmo que tudo pode mudar a qualquer instante, sem aviso prévio, e que, por conseguinte, precisamos de aproveitar cada segundo de cada momento sem nunca darmos por garantida coisa alguma.

Esta afirmação soa sempre um pouco estranha. Assim um pouco entre o poético e o apocalítico... entre o “carpe diem” inspirado do Clube dos Poetas Mortos e os filmes de cenários futuristas e catastróficos. Mas nem uma coisa nem outra. O que precisamos de fazer é muito mais banal e difícil. Consiste basicamente em revermos as nossas prioridades, olhando para o que é realmente importante na vida e depois saborearmos cada instante. 

Saborear... ah sim, há momentos que queremos saborear, absorver por todos os poros dos nossos sentidos, mas outros há que queremos passar à frente em velocidade acelerada. Porém a estratégia que nos salva é sempre a mesma: viver um instante de cada vez.

Tenho a certeza de que já lhe falei de Guillaumet, o amigo de Saint-Exupéry – piloto e autor do “O Pequeno Príncipe”. Mas deixe-me relembrar-lhe a história, uma das minhas preferidas.

Guillaumet, era também piloto, transportando o correio entre a Europa e a América. Um dia foi apanhado numa tempestade e forçado a aterrar nas neves dos Andes. Enrolado nos sacos do correio que transportava, esperou 48 horas que os aviões de reconhecimento o encontrassem, mas em vão. Sem víveres nem roupas adequadas para se proteger do frio, a sua única hipótese de sobrevivência era caminhar para não morrer de frio. Caminhou cinco dias e quatro noites sem parar até que, exausto e quase no limite das forças, escorregou e caiu. Faltava-lhe coragem para continuar e deixou-se ficar, tentado a ceder ao desejo de adormecer. Deixar-se morrer de frio, ao que parece, pode ser tentador nesta situação pois é fácil adormecer e não acordar mais. 

Quando começou a sentir-se invadido pelo torpor, Guillaumet pensou na mulher e ocorreu-lhe que o seu seguro de vida a salvaria da miséria. Porém, caído como estava numa encosta, quando a neve derretesse na Primavera, o seu corpo rolaria para o fundo de um abismo e nunca seria encontrado. Ocorreu-lhe então que, em caso de desaparecimento, a morte legal era declarada apenas após quatro anos e que, até lá, a sua mulher monetariamente nada receberia.  

A possibilidade dela ficar reduzida à miséria foi-lhe tão insuportável que Guillaumet levantou a cabeça; cinquenta metros mais à frente viu um rochedo e pensou que, se se arrastasse até lá e se encostasse a ele, o seu corpo seria encontrado mesmo depois do degelo. Então, graças a um esforço sobre-humano, levantou-se. Depois de estar em pé, Guillaumet caminhou mais três dias e duas noites e foi finalmente encontrado e salvo. 

Quando interrogado sobre como fez para conseguir caminhar numa situação aparentemente tão desesperada, ele disse: “O que salva é dar um passo. Mais um passo. Sempre o mesmo passo, reiniciado…” 

Ele confiou que o mais difícil foi controlar a sua mente e as suas infindáveis especulações. Por isso, para poder continuar, teve de concentrar-se apenas em dar “um passo de cada vez”. 

Assim, quer o momento seja de felicidade intensa, de grande dificuldade ou aparentemente banal, aprender a reconhecer o seu carácter único, e vivê-lo instante a instante é sempre o que nos salva.

Uma outra dica quando enfrentamos situações difíceis, consiste em não deixar que a dificuldade ocupe a nossa mente por completo. Por exemplo Vidyamala Burch, fundadora da Breathworks e dos programas de gestão da dor através da Mindfullness, conta como, um dia, no meio de uma intensa dor física, numa cama de hospital, por um instante a sua atenção foi cativada pela luz que entrava no quarto e o toque macio dos lençóis da sua cama. Naquele momento, a dor estava presente, mas estavam também presentes outras sensações, algumas delas agradáveis. 

Certamente já experimentou, em algum momento da sua vida, dar um passeio num dia em que tudo correu mal, um daqueles dias para esquecer. E notar, por um instante, como o sol brilha por entre as folhas das árvores, que o mar está particularmente azul, ou como aquela pessoa que acabou de cruzar na rua parece feliz. Reconheça a beleza. Respire fundo. Cada momento é composto por tantas coisas que podemos de facto optar por nos concentrarmos em algumas mais que em outras. 

O ano passado, como sempre acontece, estava longe de imaginar que um ano depois estaria onde estou hoje. Porque, apesar de tudo, em 2020 aconteceu muita coisa. Como resultado da minha experiência anterior, sei que daqui a um ano, na minha avaliação de 2022, estarei a dizer o mesmo e que muitos desenvolvimentos inesperados e surpreendentes me esperam nos próximos meses. Mas o segredo é sempre: viver um momento de cada vez. E saborear o doce e o amargo, o ácido e o salgado – afinal são todos sabores. 

Respire fundo. Pouse-se no agora. Como se não tivesse havido ontem, como se não houvesse amanhã. Sinta o espaço à sua volta. Não compare com o passado, não projete o futuro. Relaxe no instante.

 Sempre que se sentir a ser engolido / engolida pela ansiedade ou a nostalgia, volte ao presente. Só ele é real. Só ele é libertador. 

E pronto! Fica aquele abraço virtual e até ao próximo chá.